segunda-feira, 11 de outubro de 2010

FAVELA(S)


Mas por que a visão das favelas incomoda tanto?
Incomoda? A visão de qual favela?
Da planta coincidentemente espinhosa que encobria o atual Morro da Providência no Rio de Janeiro (originalmente chamado Morro da Favela) para onde foram os exilados da Guerra de Canudos? Ou da “nova vegetação” formada pelas moradias e seus moradores que vieram substituir o verde dos morros da cidade? E é só na cidade que se encontra essa “nova planta”?
Em tempos de consciência ecológica, podemos lembrar que, no reino vegetal, as relações podem ser nocivas ou não entre os seres. Assim como as antigas favelas plantas, as novas favelas de concreto se alastram e vêm descendo os morros, nos fazendo ver o que realmente há – nos mostram uma nova vegetação urbana. Mostram o quanto todos somos desiguais dentro de uma biológica igualdade de necessidades vitais. Nos faz ver que para que uma parte não integre a paisagem das novas favelas, contraditoriamente compõem-se uma paisagem geral. Nela se tem um pedaço da paisagem urbana se autorreconhecendo, justamente por achar que não compõem aquela vegetação das atuais favelas. E o que não se percebe é que uma só existe e é o que é justamente por existir a outra.
Como numa relação ecológica, ambas as vegetações integram uma maior onde relações como parasitismo, predacionismo e comensalismo, além de outras, são facilmente verificadas. A favela desce o morro e passa a compor também a paisagem da área plana. O entrelaçamento é inevitável e é essa a (pré)visão que assusta e incomoda.
Os antigos derrotados da Guerra de Canudos viraram a base da paisagem atual. E, sem a base, não existe o ápice. Mas, assim como o ápice se corrompe, a base também. E favela acaba virando sinônimo não mais da planta, mas de agrupamento de criminosos (?). E o que não é favela? Vira o quê? Os moradores não são criminosos, são trabalhadores. Os criminosos estão em qualquer parte da paisagem (no alto ou no baixo).
Daí favela passa a se chamar comunidade. É o significado das palavras que se transforma a fim de tentar atender a uma demanda de significados. Mas... e o conceito de comunidade? Muda tanto quanto o significado da planta mudou? E a cidade? Não é toda ela uma grande comunidade? O que é toda a paisagem então?
Ora, a visão da favela incomoda... Por quê? Ela mostra que a Comunidade é toda ela uma coisa só e que se está dentro dela. Com as “novas plantas” se entrelaçando e coexistindo, mostra-se uma tendência em que não se sabe ao certo que tipo de “relação ecologicamente correta” vai prevalecer.

4 comentários:

Denise disse...

Histórico, político, crítico... ótimo texto, Aninha!!! A sua cara! E gostei de saber da planta, que a boba aqui nem sabia... obrigada pela aula! :-) Bjksss

Virginia disse...

Fico me perguntando aqui, amiga, se a visão da favela realmente incomoda e a quem incomoda. Porque não incomoda a todos não. Assim como na natureza, essa tal de resiliência faz com que muitos se acostumem com tudo. Bom, não falo qualquer novidade, a Clarice já falava sobre isso, num texto lá bem clássico e que todos conhecem. Mas de uma coisa eu tenho certeza: incomoda a você. E isso é bom. É muito bom. Beijos, parabéns pela linda prosa.

ananita rebouças disse...

Vi... a questão é: de que forma cada um se incomoda?
Bjos

Virginia disse...

É, é verdade, essa é a única questão que importa. Essa pergunta - e outras, fundamentais - são as que realmente importam e são pura filosofia. Filosofar para compreender! Compreender para sentir? Sei lá.

É como nas drogas: Importa realmente quem vende, quem compra, quem usa, quem dá, quem tem lucro, quem está preso?... Claaaaro que importa, e muito. Mas... e a pergunta fundamenta, isto é: Por que se usa TANTAS DROGAS? (Eu não uso, que fique bem claro kkkk!). Beijos, minha amiga, nosso papo está como eu gosto: H-U-M-A-N-O. Você vai longe, menina.